Benefício entre agentes púbicos federais gira em torno de R$ 4 mil a R$ 4,5 mil. Beneficiários estão entre os servidores mais bem remunerados do país
Por Congresso em Foco
O contribuinte brasileiro vai bancar este ano mais de R$ 2 bilhões com o pagamento do auxílio-moradia a autoridades e funcionários de alto escalão, cuja remuneração pode passar dos R$ 30 mil. Para ter uma ideia, com o valor do benefício seria possível construir mais de 43 mil casas populares, ao custo de R$ 50 mil cada, ou conceder Bolsa Família para 11 milhões de pessoas. Essas são as despesas previstas com o benefício para os três poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública, no âmbito federal, e para conselheiros dos tribunais de contas de estados e municípios, juízes, procuradores, promotores e defensores públicos estaduais. O total gasto em todo o país com o auxílio-moradia é ainda maior. Não estão computadas na conta as despesas dos estados com representantes do Legislativo e do Executivo locais.
Os dados são de levantamento da Consultoria Legislativa do Senado. O orçamento federal para este ano reserva R$ 832 milhões para bancar o conforto de autoridades e servidores sem que precisem mexer no bolso, ou engordar seus contracheques. Em média, a verba varia de R$ 4 mil a R$ 4,5 mil por mês. O estudo não inclui os gastos dos governos estaduais.
Fraude
As informações foram levantadas a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), autor de proposta de emenda à Constituição que extingue esse tipo de verba entre os agentes públicos da União. “Vamos encaminhar os dados ao relator, pedindo a apresentação do relatório com urgência pela aprovação. A meta é aprovar no Senado ainda no primeiro semestre”, diz Randolfe. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde será relatado pelo senador Roberto Requião (MDB-PR).
“Esse tipo de vantagem nada mais é, nos dias atuais, do que uma espécie de fraude e de ampliação irregular dos gastos públicos, bem como de aumento de privilégios daqueles agentes públicos que já têm remuneração muito acima da dos brasileiros comuns”, critica Randolfe ao justificar a proposta.
Campeões de gastos
A Justiça do Trabalho, com R$ 197,7 milhões, o Ministério das Relações Exteriores, com R$ 188,5 milhões, e o Ministério Público da União, com R$ 124,1 milhões, puxam a lista das instituições com mais verba para o auxílio-moradia em 2018. Para bancar o benefício de seus integrantes, o Ministério da Defesa terá R$ 115,9 milhões e a Justiça Federal, R$ 107,4 milhões. No caso do Itamaraty estão incluídas as despesas com os diplomatas, dentro e fora do país.
A pesquisa não informa o total de pessoas que se valem do benefício em todo o Brasil. A soma de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União, juízes de primeira e segunda instância, conselheiros dos tribunais de contas de estados, Distrito Federal e municípios, além de membros do Ministério Público alcança mais de 30 mil autoridades.
Dinheiro no bolso
Por força de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF), magistrados, defensores públicos, promotores e procuradores não precisam nem comprovar o gasto com o aluguel. Eles recebem o benefício mesmo tendo imóvel no município onde trabalham. Na prática, a cota virou um complemento salarial para essas categorias.
O governo federal tirou dos cofres públicos R$ 3,5 bilhões entre 2010 e 2017 para pagar o auxílio-moradia a autoridades e funcionários dos três poderes.
A conta explodiu nos últimos sete anos: de R$ 75,9 milhões, em 2010, para R$ 814,2 milhões em 2017. Para este ano, a previsão orçamentária é de mais R$ 832 milhões. Ou seja, em oito anos serão retirados dos cofres públicos da União R$ 4,3 bilhões para assegurar o conforto de juízes, parlamentares, ministros, procuradores, entre outras autoridades e servidores do alto escalão, no Brasil e também no exterior. Parte desses agentes públicos recebem mais de R$ 30 mil de salário, fora outras regalias.
Efeito Fux
Os gastos com o benefício dispararam de 2014 para cá, quando o ministro Luiz Fux, do Supremo, resolveu estender a todos os juízes o direito de receber o auxílio-moradia. A decisão, em caráter liminar, abriu brecha para integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública obterem a mesma regalia. O mérito da ação ainda não foi julgado pelo plenário do STF.
Em 2013, a União gastou R$ 294,5 milhões com o auxílio-moradia. No ano seguinte, quando Fux concedeu a liminar, essa despesa passou para R$ 291,4 milhões. Já em 2015, disparou para R$ 820,5 milhões. No intervalo de apenas dois anos, as despesas com o benefício quase triplicaram graças à decisão do ministro. Apenas no Judiciário, o crescimento no período foi de 34,8 vezes: pulou de R$ 8,2 milhões, em 2013, para R$ 288,1 milhões em 2015. Cinco anos antes, o Judiciário gastava R$ 5,1 milhões com a benesse. Naquele ano, só quem não tinha imóvel na comarca podia receber a indenização.
Na prática, a medida vale como complemento salarial disfarçado para juízes, promotores, procuradores e defensores públicos. É também uma forma de fugir do teto constitucional no serviço público, que hoje é de R$ 33,7 mil, vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Benefícios considerados de natureza indenizatória estão fora do limite imposto pela Constituição. Isso vale até para os próprios ministros do Supremo, que já têm direito a ocupar imóvel funcional.
Violência contra o Estado
Para Randolfe, a concessão do benefício vai contra o esforço fiscal que o governo tem “desastrosamente” conduzido, punindo, segundo ele, os mais pobres e conservando os privilégios dos “poderosos”. Na avaliação do senador, a manutenção da verba é uma “violência” contra o Estado brasileiro.
“É especialmente ofensivo à sociedade brasileira o fato de o auxílio-moradia de magistrados e membros do Ministério Público ter sido autofixado, tendo sido concedido ao arrepio de qualquer deliberação do Congresso Nacional, por força de decisões judiciais sem qualquer amparo na legislação nacional. É uma violência ao Estado Democrático de Direito a concessão de benefícios a agentes públicos, que oneram excessivamente o contribuinte, sem que o Parlamento, como mandatário da sociedade civil, tenha autorizado previamente a sua concessão”, reforça.