É no mínimo hipócrita o governo criticar privilégios, considerando que os políticos representam uma das castas mais privilegiadas deste país.
Por Antonio Tuccílio – Presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP)
Poucas pessoas não tiveram acesso à recente propaganda do governo federal em defesa da reforma da Previdência Social. Os anúncios foram veiculados em diversos meios de comunicação, incluindo intervalos de novelas e programas de televisão assistidos por milhões de pessoas em todo o país. A publicidade chegou a ser suspensa por ordem da Justiça Federal; a liminar foi derrubada, mas a Procuradoria-Geral da República pediu nova suspensão ao Supremo Tribunal Federal. Independentemente de estar ou não na mídia, acredito que o conteúdo apresentado merece atenção e, principalmente, críticas.
O presidente Michel Temer e a reforma da Previdência Social têm em comum a falta de popularidade. Não é segredo para ninguém que a população é contra essa PEC, mas Temer quer fazer dela sua maior marca e não descansará enquanto não for aprovada no Congresso, mesmo que o texto seja mais enxuto. Restou ao governo do peemedebista pensar em uma nova estratégia para mudar a opinião pública, o que resultou nessa propaganda descabida que fala em “combate aos privilégios”. É no mínimo hipócrita o governo criticar privilégios, considerando que os políticos representam uma das castas mais privilegiadas deste país.
O conteúdo da propaganda sugere que os servidores públicos recebem altas aposentadorias apesar de produzirem pouco. Será mesmo? Mais uma vez, isso se aplica melhor à maioria dos políticos. Afinal, eles têm altas remunerações e boa parte produz pouco (há exemplos de deputados que estão na vida pública há anos e ainda não conseguiram aprovar nem um projeto sequer). Muitos faltam com frequência às sessões e ainda têm direito a uma série de penduricalhos e um número abusivo de assessores.
O servidor público, por sua vez, trabalha como qualquer pessoa normal, precisa mostrar resultados e contribui com 11% do seu salário. Em alguns estados a contribuição é ainda maior. No Rio de Janeiro, por exemplo, o servidor contribui com 14%. Em outros, varia de 13% a 13,5%. Ao contrário do setor privado, em que o máximo de contribuição é de R$ 608 sobre o salário, no setor público o limite chega a R$ 3,7 mil. Desde 2004 nenhum servidor se aposenta com integralidade e paridade.
No setor privado, o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos. No setor público, é de 30 a 35 anos. No setor privado, há Fundo de Garantia; no público não há. No privado, o trabalhador pode ter dois empregos, se assim desejar; já no setor público isso é proibido por lei. Além disso tudo, o servidor contribui com a Previdência mesmo depois de aposentado. Isso, aliás, é exclusividade do Brasil e já mostra que nenhum deles, de fato, recebe aposentadoria integral. É isso que o governo chama de privilégios?
Existe um grupo de servidores com remunerações mensais altíssimas e que ainda recebem acima do teto. Mas é importante dizer que se trata de uma casta muito pequena e que não representa os servidores públicos como um todo. Os próprios trabalhadores do serviço público não apoiam essa turma. É um erro igualá-los, pois há um abismo enorme entre eles.
Antes de colocar nas costas do servidor público a culpa pela suposta falta de dinheiro nas contas da Previdência, o governo deveria olhar para o seu próprio umbigo. São eles, os políticos que querem nos impedir de nos aposentar, os verdadeiros privilegiados desse país.