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Governos desviam recursos que a Constituição destina à Seguridade, toleram a sonegação e ainda oferecem vantagens fiscais ao empresariado. Depois, falam em “crise” e querem reduzir direitos…

 

Por Odilon Guedes, no Sul21

 

Tema repetido dia e noite, o déficit na Previdência virou uma verdadeira ameaça contra os trabalhadores. Com essa alegação, Temer defende uma reforma que retira inúmeros direitos do trabalhador. Ao mesmo tempo, preserva os ganhos da elite financeira com o pagamento dos juros da dívida pública – 500 bilhões

Contrariamente ao que se informa, há dados que comprovam superávit no Sistema de Seguridade Social e da Previdência Urbana, que poderia ser ainda maior não fossem os inúmeros artifícios usados para mostrar que há déficit.

A Constituição Federal define, no artigo 194, o Sistema de Seguridade Social que abrange a saúde, a Previdência e a assistência social, e, no artigo 195, a origem dos recursos para financiar esse sistema.

Em 2014, de acordo com dados apresentados em estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), as receitas da Seguridade Social atingiram R$ 686,1 bilhões, e as despesas, R$ 632,2 bilhões – portanto, um superávit de R$ 53,9 bilhões (1). Já a arrecadação líquida da Previdência Urbana foi de R$ 312,8 bilhões, e as despesas, de R$ 296,4 bilhões, um superávit de R$ 16,4 bilhões. Por outro lado, a arrecadação líquida da Previdência Rural foi de R$ 6,7 bilhões, e a despesa, de R$ 86,5 bilhões, um aparente déficit de R$ 79,8 bilhões.

Em relação ao pagamento da Previdência Rural, que atende cerca de 8,5 milhões de trabalhadores, é necessário destacar que a maioria deles nunca contribuiu diretamente com o sistema previdenciário, já que grande parte não tinha registro na carteira de trabalho. Isso significa que o pagamento de suas aposentadorias não tem uma base permanente de receitas da mesma qualidade que os trabalhadores urbanos, pois, no caso destes últimos, elas são provenientes, entre outras, das contribuições de quem tem carteira assinada.

Uma das fontes de recursos que se destinam à Previdência e bancam as aposentadorias rurais é definida pela Lei n. 8.212/1991, cuja base principal é 2% do total da produção agrícola comercializada no país. Segundo cálculos da Confederação Nacional da Agricultura, em 2014, o PIB agrícola teria sido de R$ 1 trilhão; portanto, se não houvesse ocorrido sonegação, a contribuição deveria ter sido de R$ 20 bilhões, e não de R$ 6,7 bilhões, como ocorreu. Outra dessas fontes está relacionada à criação das contribuições Cofins e CSLL. Os constituintes, sabendo que estavam ampliando as despesas, criaram essas duas novas contribuições para aumentar a base de sustentação de todo o Sistema de Seguridade Social e da Previdência Rural, que faz parte desse sistema.

Ainda sobre esse tema, com base no estudo da Anfip, três questões devem ser destacadas. A primeira é que não há nenhum caso na experiência internacional em que a Previdência Rural não seja deficitária. A segunda é que as projeções apontam para a estabilização ou até mesmo a redução do déficit, em virtude da tendência de redução da população ocupada na agropecuária. E a terceira é que a Previdência Rural causa um importante impacto econômico nos pequenos municípios brasileiros e em 60% deles representa mais recursos do que o Fundo de Participação dos Municípios.

Outra abordagem que nos leva a entender como os recursos da Previdência são subtraídos, impedindo o aumento de suas receitas, está ligada às renúncias fiscais. Estas ocorrem por meio do Simples e de entidades filantrópicas, entre outras. Apenas em 2014, atingiram R$ 33 bilhões.

O que precisa ser compreendido é que, se os governos tomaram iniciativas para beneficiar segmentos da economia e retiraram recursos da Previdência e do Sistema de Seguridade Social por meio da renúncia fiscal, eles deveriam compensar essas perdas, na mesma proporção, com recursos do Tesouro Nacional. O trabalhador e os aposentados não podem ser prejudicados pelas políticas de governo. Vale destacar que, além dessas renúncias, foram aprovadas inúmeras outras desonerações nos últimos anos para um amplo conjunto de ramos empresariais que deixaram de contribuir para a Previdência e, segundo cálculos da economista Lena Lavinas, da UFRJ, geraram perdas de R$ 136 bilhões para a Seguridade Social em 2014.

Outro fato gravíssimo é a astronômica sonegação em relação aos tributos que a Previdência deve receber. O estoque da dívida ativa dessa sonegação em 2014 era de R$ 307,7 bilhões, mas o governo recuperou para os cofres públicos naquele ano somente R$ 1 bilhão, isto é, 0,33% da dívida. Isso significa que, além da ineficiente fiscalização, que permite essa enorme evasão de tributos da Previdência, o governo federal não recupera praticamente nada.

O artigo 195 da Constituição, como já nos referimos, definiu a criação de duas contribuições – Cofins e CSLL – que compõem parte das fontes de financiamento do Sistema de Seguridade Social, Previdência incluída. Uma parcela desses tributos, porém, é subtraída por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU), recentemente aprovada com um aumento de 20% para 30%. Ou seja, a Seguridade Social perde recursos, tem o superávit diminuído, e esses recursos vão para o pagamento dos juros da dívida pública.

Outro aspecto ainda a ser apontado é que existe uma ampla possibilidade de elevar as receitas da Previdência por meio de rigorosa fiscalização das empresas contribuintes do sistema.

Segundo estudos do economista José Dari Krein e do auditor fiscal do Trabalho Vitor Araújo Filgueiras, pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, é possível elevar essas receitas com: a formalização do trabalho assalariado sem carteira assinada, o que acrescentaria ao orçamento anual da Previdência mais R$ 47 bilhões; o fim das remunerações “por fora”, que acrescentaria mais R$ 20 bilhões; o reembolso pelas empresas das despesas com acidentes de trabalho, trazendo mais R$ 8,8 bilhões; a extinção do enquadramento de acidentes de trabalho como doenças comuns, gerando R$ 17 bilhões; e, finalmente, a eliminação das perdas de arrecadação por subnotificação de acidentes, acrescentando R$ 13 bilhões.

Diante de todos esses dados, é possível concluirmos que não há déficit na Seguridade Social nem na Previdência. Em contraposição à propagação irresponsável de que a Previdência é a grande vilã do déficit público, é necessário lembrar que o pagamento de juros da dívida pública deve chegar em 2016 a R$ 600 bilhões. Mas a veiculação dessa informação na prática é interditada pelo governo e pelos meios de comunicação. Segundo Amir Khair, ex-secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo, o pagamento dos juros (R$ 500 bilhões), em 2015, foi responsável por 80% do déficit do setor público, sendo este, portanto, o verdadeiro vilão da história.

Antes de qualquer reforma na Previdência, destacamos que esse tema envolve interesses de longo prazo, suscetíveis ao aumento da longevidade das pessoas e à queda do número de filhos por casais e, portanto, precisa ser discutido profundamente. Por tudo isso, é necessário e urgente o governo divulgar e tornar públicos todos os balanços e números que envolvem o Sistema de Seguridade Social. Com base nessas informações, é necessário promover um amplo debate, incluindo sindicatos de trabalhadores e empresários, ONGs e movimentos sociais, tanto nos municípios que vão ser atingidos diretamente em seus interesses como nas assembleias legislativas dos estados e no Congresso Nacional, permeando toda a sociedade brasileira.

 

Odilon Guedes é economista, mestre em economia pela PUC-SP, é professor das Faculdades Oswaldo Cruz. Foi presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo e vereador na cidade de São Paulo.

 

Fontes:
— Caderno Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Previdência Social – Contribuição ao debate, maio 2016.
— Carlos Drummond. “Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos positivos”,Carta Capital, 6 jun. 2016.

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